top of page
Folklore

Folklore

 

    Não me considero “Swiftie” mas o recente albúm “folklore” – nome traduzido em português para “folclore”, que significa toda a cultura (as tradições, lendas, crenças) de um povo – de Taylor Swift cativou-me rapidamente e vi-me emaranhada na letra de três músicas que, confirmado pela autora, constituem uma história de romance. São elas betty, cardigan e august.

    Um excerto das três letras, que podem ser encaradas como poemas:

 

betty

(…)
Betty, one time I was riding on my skateboard
when I passed your house
It's like I couldn't breathe (…)

You heard the rumors from Inez
You can't believe a word she says
Most times but this time it was true
The worst thing that I ever did
Was what I did to you

(…)

Betty, I know where it all went wrong
Your favorite song was playing
From the far side of the gym
(…)
Plus, I saw you dance with him

(…)

(…) would you trust me
If I told you it was just a summer thing?

(…)

I was walking home on broken cobblestones
just thinking of you
when she pulled up like
a figment of my worst intentions
She said "James, get in, let's drive"
Those days turned into nights
Slept next to her but
I dreamt of you all summer long

(…)

Betty, I'm here on your doorstep
and I planned it out for weeks now but
(…)
The only thing I wanna do
is make it up to you

(…)

I'm only seventeen
I don't know anything
but I know I miss you
Standing in your cardigan
Kissing in my car again
Stopped at a streetlight
you know I miss you

 

cardigan

(…)
High heels on cobblestones
(…)
When you are young, they assume you know nothing

But I knew you
Dancin' in your Levi's
Drunk under a streetlight

(…)

And when I felt like I was an old cardigan
under someone's bed
You put me on and said I was your favorite


A friend to all is a friend to none
Chase two girls, lose the one

(…) 

To kiss in cars and downtown bars
was all we needed
You drew stars around my scars
but now I'm bleedin'

'Cause I knew you

(…)

'cause I knew everything when I was young
(…) And I knew you'd come back to me
You'd come back to me
And you'd come back to me

 

august

Salt air
(…)
I never needed anything more
Whispers of "Are you sure?"
"Never have I ever before"

But I can see us lost in the memory
August slipped away into a moment in time
'cause it was never mine

(…)

Your back beneath the sun
wishing I could write my name on it
Will you call when you're back at school?
I remember thinking I had you

(…)

wanting was enough
For me it was enough
(…)
So much for summer love, and saying "us"
'Cause you weren't mine to lose

(…)

Remember when I pulled up
and said "Get in the car"
and then canceled my plans
just in case you'd call
(…)
"Meet me behind the mall"

 

    Os três poemas – chamando-lhes desta forma – correspondem a três pontos de vista diferentes da mesma situação. O ponto de vista de James, em betty, o ponto de vista de Betty, em cardigan, e o ponto de vista de uma misteriosa rapariga, em august. Os três pontos de vista não ocorrem ao mesmo tempo, mas deixarei isso mais explícito nas próximas linhas.

James traiu Betty com a rapariga misteriosa, várias vezes durante o verão. E arrependeu-se (que surpresa…).


 

    betty reflete os sentimentos de James assim que a escola recomeça: James menciona um baile no ginásio (“Your favorite song was playing/ From the far side of the gym/ (…)/ Plus, I saw you dance with him” traduzido para “A tua música preferida estava a soar/ vinda do lado oposto do ginásio/ (…)/ E ainda, eu vi-te a dançar com ele”), provavelmente o Homecoming, uma tradição estadunidense da realização de um baile de boas vindas no fim de setembro e no início de outubro.


    O verão estava terminado e o rapaz arrependido dos seus atos (“The worst thing that I ever did/ Was what I did to you” traduzido para “A pior coisa que eu alguma vez fiz/ Foi o que eu te fiz”). Ele encontra-se nos degraus da porta de casa de Betty, ganhando coragem para a ver (“I'm here on your doorstep/ and I planned it out for weeks now” traduzido para “Estou aqui no degrau da tua porta/ e planeei isto durante semanas”), para tentar recuperar o que eles tinham (“The only thing I wanna do/ is make it up to you” traduzido para “A única coisa que eu quero fazer/ é compensar-te [no sentido de se desculpar]”).
Entretanto, ele revê como todo o seu motivo de arrependimento começou e tenta que ele próprio se perdoe, apelando que nem foi ele que começou (“I was walking home on broken cobblestones/ just thinking of you/ when she pulled up like/ a figment of my worst intentions/ She said "James, get in, let's drive"” traduzido para “Eu estava a ir para casa numa calçada partida/ pensando mesmo em ti/ quando ela [rapariga misteriosa] encostou como/ uma ilusão das minhas piores intenções/ Ela disse "James, entra, vamos dar uma volta"”) e que nem sabe ao certo como uma mera boleia pode ter se transformado em algo tão poderoso como uma traição (“Those days turned into nights/ Slept next to her” traduzido para “Esses dias tornaram-se noites/ Dormi ao lado dela”).
 

     James tem a esperança que as suas desculpas façam Betty perdoá-lo: em cada momento da sua “curtida de verão” (“summer thing”) ele sonhou com ela (“I dreamt of you all summer long” traduzido para “Sonhei contigo o verão inteiro”); que é novo e comete erros (“I'm only seventeen/ I don't know anything” traduzido para “Eu só tenho dezassete [anos]/ Eu não sei nada”); e que, apesar dos erros, sabe que a quer de volta (“but I know I miss you” traduzido para “mas sei que tenho saudades tuas”). Será que ela o perdoou? Talvez, ou então talvez ele só tenha novamente sonhado nos versos (“Standing in your cardigan/ Kissing in my car again/ Stopped at a streetlight/ you know I miss you” traduzido para “[Estás] De pé, no teu casaco de lã/ Parámos num candeeiro de rua/ tu sabes que tenho saudades tuas”).

 

    cardigan já se trata dos sentimentos de Betty, provavelmente uns anos depois do ocorrido já que ela se refere ao “ser-se nova” como uma realidade um pouco distante de si em “When you are young, they assume you know nothing/ But I knew you” (traduzido para “Quando tu és jovem eles assumem que não sabes[ou conheces] nada/ Mas eu conhecia-te”) e pelo uso de verbos no pretérito perfeito.

    Betty recorda, dolorosamente, momentos seus com James, como beijos em carros (“To kiss in cars and downtown bars/ was all we needed/ You drew stars around my scars/ but now I'm bleedin'” traduzido para “Beijar em carros e bares do centro da cidade/ era tudo o que nós precisávamos/ Tu desenhaste estrelas à volta das minhas cicatrizes/ mas agora estou a sangrar) e memórias dele perto de um candeeiro de rua (“(…)I knew you/ Dancin' in your Levi's/ Drunk under a streetlight” traduzido para “(…)Eu conhecia-te/ A dançar nas tuas Levi [marca de calças]/ Bêbado debaixo de um candeeiro de rua”).


    São estes dois momentos, a referência à calçada (“High heels on cobblestones” traduzido para “Saltos altos numa calçada”) e ao casaco de lã (“I was an old cardigan” traduzido para “Eu era um velho casaco de lã”) e a ideia de alguém (menção a James) ter (ou querer) duas opções e precisar de escolher uma delas fazem a ponte entre os poemas cardigan e betty.

    Retomando aos sentimentos de Betty, como olhará ela para a sua relação passada? Ela mencionou diversos momentos bons já vistos, como os beijos em carros e James bêbado debaixo de um candeeiro de rua, mas no refrão da música repete a sensação de reforço da sua autoestima que James lhe deu: “And when I felt like I was an old cardigan/ under someone's bed/ You put me on and said I was your favorite” (traduzido para “E quando eu me senti como um velho casaco de lã/ debaixo da cama de alguém/ Tu vestiste-me e disseste que era a tua [peça de roupa] favorita”). O casaco de lã parece ser uma marca de Betty, algo típico que só esta menina ainda usa para sair de casa, e pode eventualmente representar uma insegurança sua. Insegurança essa que James pega suavemente e torna no que mais gosta em Betty. Uma sensação única, tão única como desenhar estrelas em cicatrizes.

Contudo James é ambicioso, alguém demasiado “amigo” que acaba por ir atrás de duas raparigas; e, como quem tudo quer tudo perde, ele perdeu a certa para si, perdeu Betty (“A friend to all is a friend to none/ Chase two girls, lose the one” traduzido para “O amigo de todos é não amigo de ninguém [ditado popular]/ Persegue duas raparigas, perde a tal”). Mas Betty, apesar de ser jovem, já o conhecia demasiado bem, ou pelo menos bem o suficiente para saber que ele voltaria para si; e ele voltou, como mencionado também no poema betty, – (“'cause I knew everything when I was young/ (…) And I knew you'd come back to me/ You'd come back to me/ And you'd come back to me” traduzido para “porque eu sabia tudo quando era jovem/ (…) E eu sabia que voltarias para mim/ Tu voltarias para mim/ E tu voltaste para mim”).

 

    Por fim, o poema august, que reflete sem filtros as emoções da rapariga misteriosa. É legítimo acreditar que ela sabia fazer parte de um triângulo amoroso que envolvia traição graças aos versos “Whispers/ of "Are you sure?"/ "Never have I ever before"” (traduzidos para “Sussurros/ de "Tens a certeza? "/ "Nunca antes tive tanta"”) – sussurros são quase sempre uma forma simpática de induzir a ideia de algo ilícito e podem constituir uma aliteração se nos forcarmos no som da palavra, que faz lembrar o som e a sensação de cócegas de alguém a sussurrar ao nosso ouvido; e, se interpretarmos que foi ela que perguntou a James “Tens a certeza?” podemos deduzir que ela sabia que havia algo que o pudesse levar a não se envolver com ela. Os laços que unem este poema ao poema betty são o verso “Salt air” (traduzido para “Ar salgado”, remetendo para a ideia de praia e verão), a referência a “summer love” (traduzido para “amor de verão”; ligeiramente diferente da designação de James, que é “curtida de verão”) e como começou a aventura deles, com ela a encostar o seu carro na calçada e a dar boleia a James (“Remember when I pulled up/ and said "Get in the car"” traduzido para “Lembraste quando eu encostei/ e disse "Entra no carro"”) e que rapidamente passou para ela a cancelar os seus planos só para precaver a eventualidade de James lhe ligar para combinarem um encontro clandestino (“and then canceled my plans/ just in case you'd call/ (…)/ "Meet me behind the mall"” traduzido para “e então cancelei os meus planos/ apenas caso me telefonasses/ (…)/ "Encontra-te comigo atrás do centro comercial"”) – de notar que não há ligação entre os poemas august e cardigan.

    Mas o que fez esta rapariga ignorar o facto de estar a contribuir para uma traição? “wanting was enough/ For me it was enough” (traduzido para “querer era suficiente/ Para mim isso era suficiente”).
Ela sabia que James não era seu (“'Cause you weren't mine to lose” traduzido para “Porque tu não eras meu para [eu poder te] perder”), ou talvez veio a descobri-lo um tempo depois, tarde demais (“I remember thinking I had you” traduzido para “Lembro-me de pensar que te tinha”). Contudo, ainda no verão, ela desejava conseguir torná-lo seu (“Your back/ beneath the sun/ wishing I could write my name on it” traduzido para “As tuas costas/ debaixo do sol/ desejando que eu pudesse escrever o meu nome nelas”); mas ela não conseguiu. À medida que o verão acabava com agosto, ela sentia cada vez mais a incerteza do relacionamento deles (“Will you call when you're back at school?” traduzido para “Irás telefonar-me quando voltarmos à escola [em setembro]?”) até que, com o tempo, apercebeu-se que ele nunca mais lhe ligaria – foi nessa altura que James se arrependeu e quis voltar unicamente para Betty – e que agosto era agora apenas uma memória, ainda muito vívida e fresca para este coração (“But I can see us/ lost in the memory/ August slipped away into a moment in time” traduzido para “Mas eu consigo ver-nos/ perdidos na memória/ Agosto escorregou-os pelos dedos para um momento no tempo”).

    A traição partiu outro coração. A rapariga misteriosa deixa no seu poema fortes palavras que refletem demasiado bem o que sentiu, ela sentiu um amor por James que não parece ter sido mútuo; o amor que tinham era tudo o que ela precisava (“I never needed anything more” traduzido para “Eu nunca precisei de nada mais”).

Texto por Sofia Zeferino

Ilustração por Inês Santos

Publicado a 3 de dezembro de 2020

IMG_20201203_0004.jpg
bottom of page