Escultura e Religião
Escultura e Religião
A escultura e as crenças religiosas
Escultura e Religião
A escultura e as crenças religiosas
Publicado a 16 de julho de 2020
Escultura e Religião
A escultura e as crenças religiosas
Publicado a 16 de julho de 2020
A escultura e as crenças religiosas
Publicado a 16 de julho de 2020
Publicado a 16 de julho de 2020
Texto Marco Acúrcio
Texto Marco Acúrcio
Texto Marco Acúrcio
Texto Marco Acúrcio
Apaixono-me por ele, apaixono-me pela vida
O amor seduz, nu, lascivo, desejável. Sussurra em batidas de coração inebriantes, expela-se em todo o seu fulgor num odor que todos anseiam inspirar. Arde, crepitante, sobre a pele, sobre os olhos, sobre os lábios. Crepita numa alma decrépita; zomba da vontade jovem de sentir. Envenena num veneno devasso, num rasto de sangue luxuriante, manchado por mãos pulsantes, por corpos extasiados e prazerosos.
O amor encanta, galanteia, corteja. Ajoelha-se em promessas vagas de um infinito. Embala-nos num berço de sentimentos efémeros. Manipula-nos em lençóis quentes e beijos cálidos. Subjuga-nos num jogo pérfido, atraiçoado pelas próprias regras. Parece não passar de um tiro ao alvo de Eros, que, com os olhos vendados, dispara cegamente as setas do deleite. E, de repente, é muito mais.
O amor adocica, alegra, jubiloso. O amor ri como uma criança, imagina nuvens de algodão e fontes de ouro. É uma chuva de estrelas palpitantes, um rodopiar de flores de cerejeira que caem sobre as nossas pálpebras e toldam-nos o ser. O amor é inocente, é puro, é natural. É natural ao ser humano, é a natureza mais natural de todas. E tão naturalmente como escrevo este texto, apaixono-me por ele, apaixono-me pela vida.
E o desejo e efemeridade tornam-se ingredientes do amor inocente, concedendo-lhe a intensidade de manteiga no bolo que é o amor.
Feliz dia de São Valentim!!!
Texto por Beatriz Palma
Ilustração por Raquel Gabriel
Descolorir a Diferença
O mundo é feito de cores, as cores são diferentes. Porque é que a diferença causa tanto desconcerto? A sociedade ergue-a como uma espada, brandindo-a contra a própria pátria, contra tudo e todos. Viola o código da lealdade para com os seus irmãos e deixa que a diferença atraiçoe a igualdade. Podíamos ser todos iguais de forma colorida, mas preferem que sejamos todos cinza, que não passemos de um borrão cinzento carregados de angústia, ocos pela vida que nos foi tirada.
Se formos um rebanho de nuvens brancas, rebaixamos a preta.
Se formos um rebanho de nuvens pretas, desdenhamos a branca. Sujamos a cor com o preconceito, tememos o distinto porque o consideramos uma ameaça. Ao ponto a que chegámos... Tememos o escuro da pele, como o escuro de monstros fictícios.
Autodestruímo-nos e destruímos outras pessoas, mesmo não sabendo quem são. Só temos atenção ao que nos distingue, e se olharmos para o que nos aproxima? Todos temos essência, todos temos caráter, todos somos mais que a mera cor de pele, que a mera cor do cabelo, que a mera cor dos olhos. Temos a tinta transparente que nos pinta o coração, que nos permite olhar através uns dos outros, e em ti ver-me a mim. Com os atos cometidos, com as tentações desumanas concretizadas, enegrecemos o puro.
Enegrecemos tanto que nada vemos, para além de nós mesmos. E condenamos a humanidade à prisão, em vez da evolução.
Talvez os filmes a preto e branco devessem voltar, ao menos essas duas cores encontravam-se em harmonia e ninguém morria por desejos infames.
Texto por Beatriz Palma
Ilustração por Diana Rebelo
A rainha defasada num manto de ilusão
Em tempos antigos, o céu tinha uma rainha absoluta. Era o sopro suave de prata noturno, a menina na noite de mil cabelos em mil lugares. Os olhos de luz que hipnotizavam o mortal, o silêncio de sereia que atrai como quem não quer. Velava o sono de todas as terras com apenas um manto de breu sobre a pele nua. Um manto infinito de uma cor infinita. Cobria todos os mundos com ele, para ser apenas ela, rainha de si e da noite.
A Lua, tão redonda, tão bonita, tão sozinha. Não lhe interessava o que podia haver sob o manto para além dela própria, desde que quando as luzes se apagassem fosse ela a brilhar. Todos os seres a idolatravam, davam-lhe diferentes nomes para tentar descobrir quem ela realmente era. O seu favorito era Bimbaio, uma sereia que mergulhava nas profundezas da noite, mergulhando todos consigo, vítimas de uma rede de melodias, pescados por doces ilusões num mar negro.
Mas numa noite, algo curioso espreitou por detrás do véu escuro. Espreitou e descobriu uma vida. Bradou, bradou a todas as irmãs que viessem ver tal empreendimento. Vieram de todas as partes do mundo, e quem diria que do outro lado estaria o seu propósito?!
As estrelas brotaram, como flores que correm uma planície. Brotaram num aceno de felicidade e compromisso pela sua nova oportunidade. Pareciam pequenos potes de desejos, pequenas réstias de esperança, ou até pinceladas apressadas de um pintor atrapalhado. E, consequentemente, deixaram de dar importância à tão amada Lua.
Vendo que tal coisa estava a acontecer, a sereia do mar negro eriçava os fios platinados e tentava tecer um manto ainda maior. Mas as estrelas eram mais que infinitas e era impossível livrar-se delas.
A rainha apertou o seu manto em torno dela e chorou pérolas. Derramou-se num pranto sofrido, uivou até estremecer o céu, marejada e afogada na sua própria rede porque perdeu, não, foi-lhe tirado! E num vislumbre, viram surgir a Lua, ou o que restava dela. Embrulhada no escuro, parecia engolida pela sua própria casa. Restava apenas um quarto quebrado dela, uma sombra do que um dia representara lá no alto. Reduzida a um caco, as estrelas continuavam a percorrer o céu em corridas celestiais, camuflando aquela fase da Lua.
A partir dessa noite, viu-se escrava de um ciclo, outrora rainha agora nada. Num impulso cego deixara-se levar pela sua vaidade, fechou os olhos ao que já não via e agora escondia-se por vergonha. Mas as estrelas tiveram compaixão e propuseram-lhe um acordo.
Deram-lhe quatro nomes, quatro fases.
A Lua Nova, o Quarto Crescente, a Lua Cheia e o Quarto Minguante. Coberta pela noite e pelo seu manto de escuridão, desaparecia num momento de recomeço e introspeção. Depois destapava a cabeça feliz por ser quase só ela de novo, mas respeitosa perante as suas novas amigas. Finalmente chegava o momento em que governava os céus de novo, numa dança suave, suspensa, parecendo estar presa apenas pelos seus cabelos. E fechava o acordo num Quarto Minguante, encolhida novamente.
Era o preço a pagar por uma coroa que nunca teve e um manto de ilusões que foram sempre dela.
Texto por Beatriz Palma
Ilustração por Carolina Ivanova
Bravo
Se os frutos fogem
quando estendes a mão,
se a tua irreprimível fome
e a tua insaciável sede
tornam infértil a ambição
e, como Tântalo,
fechas a mão, para nela nada aprisionares,
abres a mão, para nela nada encontrares,
Bravo.
Se a euforia te impele
e, abrindo a boca para cantar,
soam canções mudas e sonhos tolhidos
dores e impercetíveis gemidos
lamentos esbatidos e ingratos esforços
a cuja erosão a pedra dura não é sensível,
Bravo.
Se subiste a paradoxal escada de Penrose
e regressaste ao exato mesmo sítio,
se te sentes preso na tela de Escher
e tropeças nos degraus íngremes,
Bravo.
Se crês que os deuses te confundiram com Sísifo
- cuja maldade do destino se sobrepõe ainda
à de Prometeu ou de Íxion,
esses nem esperança têm já
de que a tormenta findará –
se empurras montanha acima
repetidamente
um sonho que te escorrega
repetidamente
e repetidamente vês a luz do farol
apagar, de imediato, ao acender,
Bravo.
Pois que Homem se poderá sentir frustrado
se nunca tiver tentado?
Bravo.
Pois que cavaleiro prossegue montado
se o objetivo já foi alcançado?
Bravo.
Pois que alvo será atingido
se não for primeiro falhado?
Bravo.
Pois que sabor à vida é dado
se não há frutos a perseguir
se não há cânticos por ouvir
se não há pedras por polir
se não há escadas por subir
se não há sonhos por usufruir…
Bravo.
Bravo, pois que és matéria digna da vida.
Pois claro que o mundo tem destes (a)casos,
e não fosse naquele dia de Inverão
sair à rua a Frustração
não conheceria a Obstinação
não haveria entre estes dois polos atração
nem fariam amor no chão
nem nasceria desta impertinência
a mais alta sapiência:
a Resiliência.
Texto por Afonso Cardoso
Ilustração por Carolina Ivanova