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Entrevista a Lourenço Henriques - Grupo TEMA Teatro Mafra

TEMA

Publicado a 31 de julho de 2020

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    O Grupo TEMA – Teatro Mafra é uma companhia profissional de teatro fundada por um conjunto de atores, encenadores e produtores, em parceria com a Câmara Municipal de Mafra. O seu percurso começou em Novembro de 2014, mas a estreia do primeiro espetáculo produzido pela companhia só aconteceu a 15 de Maio de 2015. Desde então o grupo levou a cena mais 14 produções, entre espetáculos de teatro e espetáculos de poesia e música. Além das frequentes apresentações no concelho de Mafra, a companhia levou o seu trabalho ao Teatro do Bairro e ao Teatro da Comuna, entre outros.

 


Lourenço, o que significa ao certo aquela máxima de que “nenhum espetáculo é igual ao outro”? O que muda, concretamente, de sexta para sábado?


     Na vida nenhum dia é igual ao outro. O Teatro faz parte da vida dos atores e técnicos que nele trabalham. Se fora do teatro é impossível repetir amanhã, na íntegra, o que se fez hoje, porque haveria de ser possível dentro do teatro? Num dia chove, noutro está sol, muda a disposição das pessoas, muda o seu estado físico e psicológico. Antes de serem atores, os atores são pessoas.

«O mundo inteiro é um palco». O palco também é um mundo?


     O mundo inteiro é um palco, mas é também uma plateia, porque se, por um lado, todos somos agentes ativos no “espetáculo do mundo”, por outro lado também é verdade que todos somos espectadores uns dos outros. Agora, respondendo à questão, o palco é um reflexo do mundo. Por vezes distorcido, por vezes integral, por vezes invertido ou estilhaçado, mas é sempre um reflexo. No palco estudam-se e expõem-se as reflexões, as inquietações, os medos, os pensamentos inconfessáveis da Humanidade. Não diria que o palco é O mundo, mas antes uma fotografia de um instante no mundo.

Com 5 anos de existência, qual foi, para o TEMA, a peça mais difícil de montar? Porquê?

     

     Cada espetáculo tem a sua história. Umas mais felizes, outras menos. Todos os espetáculos apresentam desafios e obstáculos. Se não apresentassem, seriam uma chatice. Se há coisa que a montagem de um espetáculo nos ensina é estratégia: formas de ultrapassar ou contornar problemas. É aí que se torna importante a simplificação de processos. Eu assumo uma espécie de pensamento quase militar durante a montagem de um espetáculo. Não no sentido da disciplina, mas no sentido de ter o foco no objetivo e de procurar soluções que me permitam alcançá-lo com o menor sacrifício de recursos possível. Posto isto, digo que, tal como num teatro de operações militares, são mais difíceis os processos que envolvem mais recursos. No Grupo TEMA houve dois espetáculos que envolveram quantidades, para nós, excepcionais de recursos: ZÉ – Desventuras de um homem mediano e Guerras do Alecrim e Manjerona.

Quais são as responsabilidades do teatro? Elas são universais ou mudam com o tempo?


      O Teatro propõe um olhar sobre a realidade. Uma análise que estimula o pensamento sobre determinados assuntos. Cada tempo tem os seus assuntos primordiais, mas há problemáticas que são transversais a toda a História da Humanidade. A grande responsabilidade do teatro, a meu ver, é levar à introspecção. Não necessariamente conduzir à mudança, porque isso pressupõe uma posição de superioridade do criador artístico perante as outras pessoas, o que, na verdade, não se verifica. Mas levar a que o espectador se debruce sobre aquilo que um espetáculo aborda. Mantendo uma noção de entretenimento, que é também muito importante, se conseguirmos que o espectador chegue a casa a pensar no que viu no teatro, já ganhámos o dia. Se conseguirmos que esse
pensamento se estenda no tempo, então ganhámos a vida. Já todos vimos teatro e cinema de que não nos lembramos e já todos vimos teatro e cinema que nunca mais esquecemos.


O Grupo TEMA explora também uma vertente literária e musical, nomeadamente no espetáculo Dois Dedos de Poesia. Em que medida é este diferente dos outros?


     Todo o Teatro explora as vertentes literária e musical. Mesmo quando não há notas musicais, há ritmo e uma obra dramatúrgica é uma obra literária. Nesse sentido, a proposta Dois Dedos de Poesia enquadra-se no âmbito do trabalho comum de qualquer companhia de teatro. No entanto, a concepção dos Dois Dedos de Poesia, que se tornou um estandarte do Grupo TEMA, traz um cruzamento disciplinar que envolve o Teatro, a Poesia, a Música, a História… É um trabalho de pesquisa e de imaginação, em simultâneo. Felizmente, tornou-se um grande sucesso para todo o grupo, o Miguel, a Sofia, a Patrícia, o Adriano, a Maria, a Rita, a Filipa, a Marta, o Felipe, eu e, obviamente, a Câmara Municipal de Mafra e toda a equipa que lá nos acompanha. São o nosso oxigénio.

Enquanto dramaturgo, qual é o carvão das ideias? De onde nascem as ideias para as várias peças? Há fontes seguras de inspiração?


     Acho que é como em qualquer arte. As coisas do quotidiano agarram-se a nós por vias que não entendemos bem. Parece-me que a centelha está nas nossas vivências. As ideias surgem sem que saibamos porquê, mas a origem só pode ser a vida de todos os dias. Não há outra possibilidade. Os artistas têm simplesmente a habilidade de traduzir ideias que, creio, qualquer um pode ter para objetos concretos, sejam eles plásticos, literários, performativos. Não há fontes seguras de inspiração. O que há é muito trabalho sobre ideias inesperadas.

O teatro é uma escola de heróis, a desventura dos homens medianos, a procura da felicidade ou simplesmente um gabinete de crise?


     O Teatro é tudo o que quisermos que ele seja. Nem a imaginação é o limite, porque o que imaginamos hoje não é o que podemos imaginar amanhã ou daqui a um ano. A imaginação muda e evolui consoante mudam os dias. O que podemos imaginar depois de um acontecimento como a pandemia que atravessamos é diferente do que podíamos imaginar antes. O limite será, portanto, o que a vida nos dá como semente para a imaginação, logo, o Teatro é a própria vida.

 

Entrevista por Afonso Cardoso

Texto por Rodrigo Lourenço

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