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O medo de não me inserir

Pensei em várias maneiras de começar este texto. Sentia que tinha de ser uma introdução especial, tinha de ser rebuscada, começar logo com palavras caras e diferentes, que me fizessem destacar, que me fizessem ser aceite. Tudo pelo medo de não me inserir. A verdade é que eu não tenho uma escrita rebuscada, não uso palavras diferentes que poderiam ser facilmente substituídas por outras mais simples, mas que, se calhar, não fariam um texto tão estético. Para ser sincera, acho que a palavra mais incomum e requintada que conheço é a palavra “dândi” (pessoa de bom gosto e fantástico senso estético, mas que não pertence necessariamente à nobreza), e não é como se a fosse usar no dia a dia.

No entanto, e para poder dizer à minha professora de português do ano passado que uso o vocabulário que nos ensina nas aulas, será que eu não estava a tentar ser um tanto quanto dândi ao pensar em inúmeras formas rebuscadas de fazer uma introdução a um texto? Será que não tentamos todos ser um pouco dândis a escrever textos? Então e na vida?! Sinto que todos vamos em busca do bom e do requintado, do estético, do bonito e do elegante, tudo adjetivos que chamam à atenção de quem nos vê de fora, mas no fundo, todos somos pessoas comuns, com palavreados comuns, com vidas comuns, vidas do povo, cada uma à sua maneira. Não pertencemos à nobreza, mas todos queremos ser nobres, agir como nobres, vestir como nobres, falar como nobres, mas todos somos como uma qualquer pessoa do povo. Tudo pelo medo de não nos inserirmos. Tudo pelo receio de não nos acharem interessantes, cultos, elegantes, bons samaritanos, nobres. Tudo para não nos mostrarmos como meros plebeus.

O cerne da questão? Simples. Todos temos as nossas facetas de membros da nobreza, todos somos do povo, todos queremos ver os outros como nobres, todos queremos que ninguém nos veja como membros do povo. Todos queremos ser dândis e, no fundo, ninguém o é (nem o quer verdadeiramente ser). 

A relação entre medo de não nos inserirmos e querermos ser os dândis desta sociedade? À vista da maioria das pessoas, ser um dândi é ser bom, é ser mais, é ser superior aos outros, eu diria. E esta “coisa” de querer que todos sejam dândis entra em conflito com o egocentrismo humano de querer ser sempre melhor que os outros, isto porque se todos formos dândis, não há como ser superior a ninguém, a não ser pela matéria que adquirimos para aprimorar a aparência daquilo que nos pertence. E é por isto que não nos podemos apresentar como comuns membros do povo, porque à mínima oportunidade, aqueles que usam a sua faceta de nobres da sociedade, vão fazer os possíveis para nos mostrarem que somos menos que toda a gente, que somos muitos simples, que somos diferentes, que não merecemos pertencer àquela comunidade, não somos suficientes, sabem? Claro que sabem. E digo mais: todos nós já fomos membros do povo no meio de uma sociedade pseudo dandista, e todos nós somos os pseudo dândis que excluem os membros do povo.

A diferença é… diferente, não é? Tão simples, mas parece que o que é simples não chega, que se alguém não se mostrar com roupas de marca, por exemplo, não se insere na comunidade, é considerado muito básico. Será? Que sociedade é esta que criámos! Uma sociedade onde ter uma máscara é o comum, e ser autêntico é o sinónimo de ser uma aberração! Tudo pelo medo de não nos inserirmos num grupo de amigos, numa escola, num ambiente de trabalho, numa comunidade, na sociedade...

Esta minha reflexão deve-se muito aos comportamentos e atitudes que eu observo na sociedade diariamente e que eu mesma adoto inconscientemente. Um desses meus comportamentos foi querer ser uma dândi a escrever textos, isto porque acreditava que me inseriria melhor na comunidade daqueles que exprimem os sentimentos através da escrita recheada de palavras caras. É verdade! Eu assumo! Mas qual a piada de ser dândi, de ser rebuscada como a faceta de todos. Não é mais bonito ser autêntico? E convenhamos que é mais fácil, não termos de nos fazer aparentar ser algo que não somos.

Sejam membros do povo, não queiram ser dândis, porque os dândis da sociedade acabam todos da mesma forma: infelizes. Aqueles que se assumem como parte do povo têm a oportunidade de serem felizes, porque perdem o medo de não se inserirem.

Texto por Beatriz Aguiar

O medo de não me inserir
Apaixono-me por ele, apaixono-me pela vida

Apaixono-me por ele, apaixono-me pela vida

são valentim - Raquel Gabriel.png

O amor seduz, nu, lascivo, desejável. Sussurra em batidas de coração inebriantes, expela-se em todo o seu fulgor num odor que todos anseiam inspirar. Arde, crepitante, sobre a pele, sobre os olhos, sobre os lábios. Crepita numa alma decrépita; zomba da vontade jovem de sentir. Envenena num veneno devasso, num rasto de sangue luxuriante, manchado por mãos pulsantes, por corpos extasiados e prazerosos.

O amor encanta, galanteia, corteja. Ajoelha-se em promessas vagas de um infinito. Embala-nos num berço de sentimentos efémeros. Manipula-nos em lençóis quentes e beijos cálidos. Subjuga-nos num jogo pérfido, atraiçoado pelas próprias regras. Parece não passar de um tiro ao alvo de Eros, que, com os olhos vendados, dispara cegamente as setas do deleite. E, de repente, é muito mais.

O amor adocica, alegra, jubiloso. O amor ri como uma criança, imagina nuvens de algodão e fontes de ouro. É uma chuva de estrelas palpitantes, um rodopiar de flores de cerejeira que caem sobre as nossas pálpebras e toldam-nos o ser. O amor é inocente, é puro, é natural. É natural ao ser humano, é a natureza mais natural de todas. E tão naturalmente como escrevo este texto, apaixono-me por ele, apaixono-me pela vida.

E o desejo e efemeridade tornam-se ingredientes do amor inocente, concedendo-lhe a intensidade de manteiga no bolo que é o amor.

 

Feliz dia de São Valentim!!!

 

Texto por Beatriz Palma

Ilustração por Raquel Gabriel

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